HISTÓRIA
No dia 21 de agosto de 1898, sessenta e dois idealistas, brasileiros e portugueses ligados à colônia portuguesa radicada na Cidade do Rio de Janeiro, reuniram-se no salão do sobrado da Rua da Saúde, n.º 293 (atual rua Sacadura Cabral, n.º 345) decididos a fundar um clube destinado à prática do remo. Inspirados nas celebrações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias, os fundadores batizaram a nova agremiação com o nome do heroico português que alcançara tal feito. Nascia, então, a grandiosa trajetória do Club de Regatas Vasco da Gama.
1899 - Primeira Vitória Esportiva
Filiado à União de Regatas, o Vasco estreou em competições oficiais no dia 4 de junho de 1899, na enseada de Botafogo. Apresentando-se com uniforme negro, com faixa diagonal branca e a cruz-de-malta no centro, os remadores vascaínos conseguiram a primeira vitória do clube em uma competição esportiva. Foi justamente no 1º páreo, na categoria júnior, com a baleeira "Volúvel", conduzida a seis remos.
1904 - 1º Presidente não branco: Cândido José de Araujo
Em 1904, o Vasco inaugurava sua trajetória de pioneirismo. Pela primeira vez na História dos clubes esportivos do Brasil, um não-branco é eleito presidente. Após as eleições, os vascaínos tiveram a honra, em uma época em que o racismo era prática comum no esporte, de conduzir o mulato Cândido José de Araújo ao degrau mais alto do clube. Candinho, como era carinhosamente chamado, presidiu o Vasco, em seu primeiro mandato, de agosto de 1904 a agosto de 1905. Reeleito, permaneceu no cargo até agosto de 1906. Foi durante seu mandato que o clube conquistou o primeiro campeonato de remo de sua história.
1905 - Primeira Conquista do Campeonato de Remo do Rio de Janeiro
Na regata de 24 de setembro de 1905, quando foi inaugurado o Pavilhão da Enseada de Botafogo, construído pela Prefeitura do então Distrito Federal, o Vasco conquistou o seu primeiro campeonato de remo do Rio de Janeiro. O Pavilhão era uma elegante estrutura de ferro, com arquibancadas, tribuna de honra, buffet e dois coretos para bandas de música. Foi um domingo de gala, que contou com a presença de Rodrigues Alves, então presidente da República, e de altos oficiais da Armada Portuguesa, principalmente os da "Canhoneira Pátria". Diante de platéia tão ilustre, as equipes do Vasco triunfaram em cinco páreos, incluindo os dois mais importantes: o do Campeonato do Rio de Janeiro, com o yole a oito remos "Procelária", e o dedicado ao benemérito Prefeito Francisco Pereira Passos. No ano seguinte, na regata de 26 de agosto de 1906, o Vasco conquistaria o bicampeonato carioca de remo.
1915 - A Institucionalização do Futebol no Vasco
No princípio era o remo. Depois veio a ginástica, o tiro, a natação, o atletismo, a esgrima, o polo aquático, a luta greco-romana e, por fim, o football. Em 26 de novembro de 1915, reunidos em Assembleia Geral Extraordinária, os dirigentes do clube aprovaram novos estatutos que permitiram à diretoria criar a "secção de football".
As práticas lúdicas relacionadas com a bola (constituída de variados materiais) remonta a mais remota antiguidade. Muitos povos e culturas (chineses, egípcios, japoneses, gregos, romanos, normandos, bretões, astecas, guaranis e outros) operavam um objeto esférico com diferentes objetivos (diversão, ritual, competição, etc). Os jogos com bolas, enquanto manifestações culturais, não são específicos de determinado povo ou período histórico. Entretanto, o futebol, visto como uma prática esportiva normatizada e institucionalizada, é fruto de um conjunto de fatores presentes na Inglaterra do século XIX.
Na terra da rainha Vitória nasce esse esporte profundamente alinhado às idéias de competição, produtividade, modernidade, secularização, igualdade de chances, supremacia do mais hábil, especialização de funções, qualificação de resultados e fixação de regras, que eram características do contexto histórico da Revolução Industrial. Na esteira do imperialismo inglês, esta prática se propaga seguindo a lógica da influência (cultural, econômica e política) britânica e, destacadamente, inglesa. A América Latina fazia parte, assim como boa parte do globo terrestre, da área de ingerência dos "súditos da rainha", o que possibilitou a inserção gradual da prática do futebol no contexto sócio-cultural dos países latino-americanos.
No Brasil, a chegada do futebol deu-se em diferentes lugares e de formas distintas. Tal como os produtos e modas inglesas experimentados pela população local (guardada as devidas proporções e formas para cada setor da sociedade) esse esporte vai se infiltrando no país, especialmente (mas não exclusivamente) nas grandes capitais. Seguindo o fluxo migratório e comercial, consegue entrada através dos portos, colégios, clubes ou mesmo de experiências particulares.
No Rio de Janeiro, desde o último quartel do século XIX, alguns colégios destinados às camadas mais abastadas colocaram o "esporte bretão" como prática recreativa que visava incentivar, dentre outras coisas, o trabalho em equipe entre os jovens e o melhoramento de suas condições físicas. Os imigrantes ingleses que residiam na cidade constituíram clubes que praticavam esportes como a ginástica, o futebol e o críquete. O porto do Rio de Janeiro, importante para a economia do país, ao escoar a produção nacional de café e receber os produtos importados que inundavam a cidade, era local de profundo intercâmbio cultural. Além disso, havia as iniciativas individuais, ou seja, membros das elites que se dirigiam para a Europa, em busca de estudos, trabalho ou turismo, e quando retornavam traziam para o Brasil a experiência dessa prática.
No decorrer da primeira década do século XX, o futebol passou a ser praticado em diversos ambientes da então Capital Federal: nas escolas, nas ruas, em terrenos baldios transformados em campos improvisados e em vários clubes espalhados pela cidade, sendo experimentado por diferentes extratos sociais. Em dias de jogos, uma multidão cada vez maior migrava para os campos da metrópole, tanto na figura de espectadores (torcedores) quanto na de jogadores. Naqueles locais que já possuíam um pouco mais de estrutura, montavam-se arquibancadas, em que a elite se fazia presente, enquanto as geraes eram majoritariamente ocupadas pelos populares. Nos anos 10, o futebol se colocaria como o esporte mais popular do Rio de Janeiro.
E o Vasco?
O tricampeonato do remo em 1912, 1913 e 1914 veio consolidar o Vasco como o maior clube náutico do Rio de Janeiro e um gigante do remo no Brasil. Nessa época, as páginas dos jornais já davam mais destaque às vitórias nos campos do que nas águas. Era questão de tempo para o clube acompanhar a tendência e se render aos encantos do football. Dia após dia aumentava a influência desse esporte no quadro associativo vascaíno e muitos sócios começavam a solicitar a sua inserção no clube. Enquanto isso não acontecia, os vascaínos improvisavam...
Pelo mesmo Snr. Comissario lhe foi apontado o facto de sócios deste club, estarem jogando football, na rua que fica fronteira a este club, quando já pela mesma Delegacia havia sido feito pedido para tal facto não se dar. O Snr. Joaquim Carneiro diz que lhe deu informações do ocorrido e com as quaes o dito comissario se deu por satisfeito (Atas da Diretoria, 30 de abril de 1913).
A referida passagem, que relata pequenos conflitos, recorrentes, devido a "peladas" realizadas próximo à sede de Santa Luzia, demonstra que o futebol estava presente no clube muito antes da criação da "secção do futebol". A sua presença era anterior, inclusive, a tão falada visita do selecionado português ao Rio de Janeiro em 1913, a convite do Botafogo. Assim, devemos compreender que o futebol vai surgir no Vasco não por meio de acontecimentos pontuais ou através da ação direta de um agente único, mas, como resultado da influência do contexto histórico de desenvolvimento acelerado e contínuo do futebol pela cidade do Rio de Janeiro nas décadas iniciais do século XX.
A criação da "secção de futebol" do Vasco pelas letras do estatuto de 1915
Raul da Silva Campos foi eleito e empossado Presidente do Vasco em 07 de outubro de 1915, com a incumbência de completar o período social após a renúncia de Alfredo Nunes. Chegava ao poder o dono da loja Campos e Cia, popularmente conhecida como "Casa Campos". Tal como vários portugueses que vieram ao Brasil, Campos possuía "feeling" para os negócios. Outro de seu empreendimento, a Casa Sportman, era uma das lojas favoritas dos esportistas cariocas para a compra de materiais esportivos. Enquanto comerciante de visão, percebeu que o futuro estava no futebol. O mandato de Raul Campos foi bastante curto, durou até dezembro do mesmo ano. Nesse espaço de tempo, a sua diretoria tornou-se responsável por pleitear e conseguir efetivar a institucionalização do futebol no Vasco.
Embora o remo ainda possuísse bastante apelo, não conseguiria o mesmo alcance de popularidade e movimentação de recursos financeiros que o "esporte bretão" obtida no campo esportivo carioca. Dessa forma, para o Vasco continuar crescendo, precisaria seguir o caminho já traçado por alguns dos clubes náuticos co-irmãos, como Club de Natação e Regatas, Club de Regatas Guanabara, Club de Regatas do Flamengo e Club de Regatas Boqueirão do Passeio, ou seja, abrir-se para o futebol.
Notadamente, a sua implantação oficial no clube não seria uma operação das mais fáceis. Isso porque havia uma pressão contrária, vinda de defensores mais arraigados do remo, que viam no futebol uma ameaça para a supremacia do esporte-fundador dentro do Vasco. Contudo, os "defensores do futebol" foram ganhando forças nos primeiros anos da década de 10 e com a Presidência de Raul Campos puderam pender a balança a seu favor. Em pouco mais de um mês após a sua posse, convocou-se uma Assembleia Geral, de caráter extraordinário, para tratar basicamente da aprovação dos novos estatutos do clube e da possibilidade de fusão com o Lusitania Sport Club. De uma forma ou de outra, inevitavelmente, o futebol seria implantado no Vasco.
O Lusitania Sport Club, fundado em 1913, constituía-se como um clube da colônia portuguesa no Rio de Janeiro, destinado especialmente à prática do futebol. Assim como outros de mesma característica, fazia parte da categoria de instituições mais fechadas para jogadores que não possuíssem ligação com a colônia, privilegiando a formação de quadros com jogadores portugueses ou, no máximo, seus descendentes. Era um clube com política social oposta à desenvolvida pelo Vasco, haja vista que o nosso clube foi criado com intuito da congregação de brasileiros e portugueses. Todavia, o Lusitania SC possuía sócios que também estavam filiados ao Vasco, o que, de algum modo, contribuía para espalhar pelo clube o "gérmen do futebol". A tentativa de fusão com o Lusitania SC se configurava como um subterfúgio, por parte daqueles que defendiam o futebol, para poderem implantá-lo no clube.
A Assembleia Geral Extraordinária foi instalada no dia 24 de novembro e foi prorrogada por mais dois dias (25 e 26). No primeiro dia de debates, o 1º Capítulo do novo estatuto foi aprovado e ele permitia o desenvolvimento de "desportos" que fossem "recomendados", ou seja, deixava-se a cargo da diretoria o controle sobre a criação de seções especializadas em determina prática esportiva. A fusão, de certa forma, perdia o seu efeito prático quanto à institucionalização do futebol. Entretanto, no último dia, a Assembleia permitiu que os sócios do Lusitania SC entrassem no Vasco sem pagamento de jóias, uma taxa de adesão da época. Os vascaínos entenderam isso como uma "fusão", porém, não configurou-se uma fusão de caráter jurídico. Décadas mais tarde, o próprio Raul Campos negou que esta tivesse ocorrido:
‘FUTEBOL DO VASCO NÃO NASCEU DE FUSÃO COM LUSITÂNIA’: R: CAMPOS
[...]
Raul Campos, ex-presidente do Vasco e hoje figura do alto comércio carioca, disse também que é ‘um erro dizer-se ter o Vasco feito fusão com o S.C. Luzitânia para criar sua seção de futebol. O que houve – acrescentou – foi que alguns jogadores daquele antigo clube quiseram transferir-se para o clube e formaram o primeiro time de futebol vascaíno (A Noite, 22 de agosto de 1961, p. 12).
O Lusitania SC estava em processo de extinção e, de fato, uma boa parte do seu corpo associativo migrou para o Vasco. O que os dirigentes vascaínos chamaram de "fusão" foi aprovado pela assembleia, ou seja, a entrada de vários sócios do Lusitania sem pagamento de jóias. Estes trouxeram consigo alguns materiais, como calções, chuteiras e camisas. Mas, independentemente disso, o futebol já estava garantido com a aprovação dos novos estatutos.
A certeza da institucionalização desse esporte no clube era tão grande entre os membros da diretoria de Campos que antes mesmo da referida assembleia os vascaínos procuravam área para treinamento:
Ordem do Dia
O Snr Presidente faz sciente que tem envidado esforços no sentido de obter a concessão do campo da Praia do Russel para os nossos futuros ‘trannings’ de football, promettendo dar uma solução definitiva da próxima sessão (Atas da Diretoria, 23 de novembro de 1915).
Institucionalizado a prática do futebol, o clube precisava começar a desenvolvê-lo praticamente do zero. A contribuição dos sócios (jogadores) vindos do Lusitania foi modesta. Afinal, este clube não era sequer filiado à Liga Metropolitana e não havia alcançado grandes resultados. O Vasco possuía o conhecimento e a experiência no remo, na "bola" teria pela frente enormes dificuldades, tal qual nos primeiros anos de sua fundação.
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